sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Internet - as tentativas em andamento, mundo à fora, de controlar econômica, cultural e políticamente a grande rede via grandes empresas do setor e alguns governos

Amadeu: Internet tem janela para controle cultural e político

via Blog Viomundo

A entrevista com o sociólogo Sergio Amadeu foi feita por Juliana Sada, do Escrevinhador – e disseminada em lista pelo Castor Filho:

Você poderia explicar o que é o Plano Nacional de Banda Larga e qual a sua importância?

O Plano Nacional de Banda Larga é um conjunto de ações do governo para levar a internet com velocidade razoável para todo território nacional. Hoje grande parte do nosso território tem acesso apenas à conexão discada. Isto impede que se faça uma série de coisas: acesso à prestação de serviços online, acesso à multimídia…

Portanto o Plano Nacional tenta levar as redes de alta velocidade a todos municípios, a todas periferias das grandes cidades porque as empresas operadoras de telefonia, responsáveis pela banda larga, não fizeram isso até hoje. Nada impedia que essas operadoras levassem banda larga para o nordeste ou mesmo para a Cidade Tiradentes. Há mil restrições em locais onde não é rentável ter banda larga. Aí vem a questão: a banda larga que foi implementada no Brasil é cara e de baixa qualidade, muito instável.

O Plano Nacional de Banda Larga amplia a rede de banda larga fazendo parcerias também com pequenos empreendedores, com empresas estatais e retomando a Telebrás – não como a empresa estatal que era mas como um gestor do sistema. Este será mais amplo em relação ao gerado pelas privatizações, que é um sistema de grande operadoras que querem uma alta taxa de remuneração e por isso deixam abandonadas as regiões carentes.

O Plano Nacional de Banda Larga no fundo é o reconhecimento de que a Anatel não conseguiu que a empresas operadoras, simplesmente por medidas regulatórias, expandissem a banda larga. Até porque a banda larga, ao contrário da telefonia fixa, não tem metas de universalização. Então as operadoras cobram o que querem e não são obrigadas a cobrir todo o território. Já o reconhecimento de que elas não estão dando conta dessa necessidade urgente do nosso país, fez com que o governo retomasse a Telebrás pra criar uma competição justa e importante com essas operadoras. E elas vão ter baixar preço, vão ter que ampliar sua malha.

E que deficiências você vê no projeto do governo?


O que o governo está propondo ainda não é o ideal porque ele está trabalhando com 512k de velocidade, isso é completamente insuficiente. Em relação ao custo, não sabemos ao certo mas deve ser em torno de 15 ou 25 reais, que não é o ideal para a realidade socioeconômica brasileira.

Acho que a gente tem que observar que as operadoras fracassaram nesse modelo só do mercado, nada impede ou impedia que colocassem banda larga em todo o lugar então o que o governo está fazendo é uma ação competitiva também que é necessária ao modelo de privatização que houve.

Se você tirar todos os impostos do custo de banda larga hoje, você ainda tem um dos serviços mais caros do mundo. O argumento das operadoras é que são muito tributadas, podem até ser mas não é esse o problema. O problema é que eles tem um modelo de remuneração absurdo, eles querem controlar o tráfego da rede. É uma coisa muito absurda, um dos dirigentes dessas operadoras dizia “olha vocês não podem navegar no horário que vocês querem, vocês tem que navegar no horário que tem menos tráfego”. Ora, eu pago caro e ele ainda quer dizer que horário eu devo usar.

Se deixarem que as forças de mercado atuem livremente nós estamos perdidos, nós não vamos conseguir ter atendidas as necessidades informacionais da sociedade. É básico isso. E por isso que o plano é bem interessante apesar de que espero que ele melhore, que o governo reconheça a necessidade de preços mais baixos e banda mais alta.

A retomada da Telebrás é o ponto do plano que está sendo mais atacado.



Claro, porque as operadoras queriam receber o dinheiro, queriam tirar o imposto e manter praticamente os preços que elas praticam. Ou seja, o governo daria bilhões para elas fazerem no modelo absurdo, de desrespeito ao consumidor que elas vêm praticando.

Então seguindo a lógica de vários outros países extremamente modernos, como a Holanda, o governo montou uma empresa que vai articular a competição. Daí é obvio que as operadoras disseram “não, isso é incorreto”. Incorreto para o modelo de privatização que houve no Brasil que premiou essas empresas sem exigir padrão de qualidade e baixo preço.

A Telebrás será uma empresa de gerenciamento e de articulação. Tem vários pequenos provedores de conexão que ficam sufocados por essas grandes empresas. Com a Telebrás , eles poderão competir com as grandes. Isso é bom. A Telebrás poderá ajudar também as prefeituras que desejarem abrir o sinal, já que hoje as que fazem isso são altamente taxadas pelas operadoras. Então elas sufocam as possibilidades de uso coletivo, de um programa social e de direito humano à comunicação que é dar o sinal de rede gratuitamente.

Das grandes operadoras, quantas são que dominam o mercado nacionalmente?

Elas estão se fundindo, hoje talvez sejam quatro no máximo. É um mercado oligopolizado, ou seja, poucos ofertantes de serviço. Isso é um problema. E eles tem muito dinheiro.

O processo de convergência de digital, ou seja de tudo ir pras redes digitais, gera uma economia de rede mais forte. Ou seja as empresas vão se coligar, é uma tendência mundial. E o capital é concentrador, enquanto houver capitalismo vai ser concentrador. Só uma operadora em São Paulo fatura mais que todo setor de radiodifusão no Brasil, que deve ter faturado 18 bilhões. Só uma operadora fatura mais, ou seja, tem muito mais poder econômico.

Quais obstáculos estão postos para a implementação do Plano Nacional de Banda Larga?

A Dilma ganhando, eu acho que fica tudo bem mas se ela perder, o plano vai ser feito do jeito que as operadoras querem. E para eles é uma briga econômica. Tomara que dê certo mas vai ter que dar porque isso é estratégico. As empresas já estão percebendo isso. Vai ter que ter, não tem jeito.

O que significa a democratização do acesso à internet? Como as pessoas se beneficiam disto?

Eu acho, apesar de ser bastante controverso, que as pessoas ganharam mais poder comunicativo. A internet, por ser uma rede distribuída, dá mais condições das pessoas se comunicarem, muito mais que no período antes da internet. O telefone não permitia que eu mandasse uma informação que pudesse ser vista por milhares de pessoas, hoje você tem pontos na rede que tem capacidade de dialogar com muitas pessoas. Então ela aumentou o poder comunicativo, sem dúvida nenhuma.

Por outro lado, ela reduziu este mesmo poder de grandes grupos. A Globo é muito mais poderosa que um blogueiro, não tem cabimento achar que não. Mas ela começa a enfrentar movimentos e críticas, ela começa a enfrentar ondas na rede. Como foi o #dilmafactsbyfolha . A Folha atua como um partido politico, não só ela mas principalmente. Então ela faz combinações com as campanhas de José Serra e Geraldo Alckmin, ela coloca as manchetes de acordo com a campanha…E ela fez uma manchete completamente descabida e aí gerou um reação. Ninguém sabe exatamente com quem começou mas se você for ver foi de uma pessoa comum indignada e as pessoas acharam legal e começaram a falar, a tirar sarro da Folha. A manchete era “Dilma erra e dá prejuízo de 1 bilhão para consumidor” e o pessoal começou a colocar toda a culpa do que acontecia na Dilma. Isso gerou uma desmoralização da Folha de S.Paulo e isso não tende a diminuir. Esta retirada de poder dos grupos é importante. Agora isso quer dizer que vai acabar a empresa jornalistica? Claro que não. Só que essas empresas, se elas forem querer atuar achando que tem o poder que tinha antes, elas vão de dar mal. Elas terão que conviver com a rede. Então acho que isso beneficia muito a nossa sociedade.

A mídia de massas era importante por um lado porque fiscalizava os governos mas quando ela queria atuar de modo classista contra interesses populares e democráticos, ela atua com a maior tranquilidade. Então hoje você tem um jogo mais complexo. E eu acho isso extremamente positivo, teremos uma diversidade maior de atores. Isso é o que está acontecendo hoje.

Quais são os obstáculos que estão postos e quais iniciativas de cerceamento da liberdade na internet?

Existem governos, como o da China, e grupos de pessoas ou políticos conservadores que querem transformar os protocolos, o controle que é dado tecnicamente na internet em controle político e cultural.

É difícil a gente falar isso: a rede amplia a liberdade de expressão, amplia a capacidade de interação entre as pessoas, ela é uma rede que permite a liberdade nesse sentido. Mas ela é uma rede também de controle. Ela é uma rede cibernética: de comunicação e controle.

Atualmente você pega um grupo como o Google que conseguiu atrair a atenção e interesse das pessoas, que passaram a entregar as suas informações voluntariamente, porque era legal usar o Gmail,o Youtube, o Orkut, as aplicações, o mecanismo de busca…É uma empresa que não obrigou ninguém a passar tanta informação para eles mas eles são um repositório de informações jamais alcançado por alguém história da humanidade.

Nunca tivemos uma situação onde pudessemos falar tanto e nunca fomos tão controlados. É uma aparente contradição mas não é. A própria rede para ser dispersa, tem que ser extremamente controlada. Mas na hora que eu transformo esse controle tecnológico, que é tipico da cibernética, em controle cultural e começo a dizer que deve passar por determinados lugares, que tem que definir o comportamento político cultural das pessoas. Daí eu tenho algo extremamente grave. Então nós estamos com um grande problema hoje. E uma das grandes expressões desse problema de transformação do controle tecnológico em controle político se dá em torno da neutralidade da rede.

Você pode explicar o conceito de neutralidade da rede?

A internet ela pode ser entendida como uma rede lógica, uma rede de informações. Para usarmos a internet, utilizamos a infraestrutura de telecomunicações, ou seja, os controles do que a gente chama de camada física da rede. Essas operadoras de telecom querem controlar o fluxo de informações que passa por seus cabos.

A internet até hoje não funcionou assim porque uma camada era neutra em relação às outras. Daí o termo neutralidade da rede. Ou seja, até hoje não era permitida a discriminação dos pacotes [de informação], seja por origem, destino, conteúdo…

Agora essas operadoras dizem “não, nós estamos com um problema: as pessoas tão baixando vídeo e compete com um tráfego importante de dados. Os vídeos tem que pagar para andar na minha rede”. É como se fossem pedágios virtuais nesse sentido. E elas querem assim: se o blog do Sergio Amadeu não tiver acordo com uma operadora americana, não vão abrir o blog com a mesma velocidade do MSN, que tem um acordo.

Então nós vamos implantar estradas pedagiadas, vamos implantar as regras de mercado dentro do ciberespaço. O ciberespaço sempre permitiu ação do mercado mas ele não é o mercado, ele é o espaço comum, onde todos eram tratados de maneira equânime. E as operadoras com essa tentativa de restrição, estão interferindo diretamente no meu interesse, na minha liberdade de me comunicar.

Isso coloca em risco a criatividade da rede. Se eu criar uma nova aplicação, o que vai acontecer? Uma operadora pode dizer “não sei o que é isso, não vou deixar passar”. O Twitter poderia não existir, o Youtube…Pois todo mundo que quiser criar algo vai ter que ser sócio deles, senão não vai poder caminhar nas redes. Isso é uma aberração.

Defender a neutralidade na rede, é defender a liberdade de expressão, de criação, de invenção. E é uma das coisas mais importantes no mundo da internet hoje.

Que iniciativas existem nesse sentido?

Nos EUA, a Justiça deu ganho de causa à empresa Conquest que alegava poder privilegiar determinados pacotes de informação em detrimento a outros em sua rede. E a FCC, a Anatel deles, está contra essa decisão e tem ações legais no parlamento americano para aprovar projetos que garantam a neutralidade na rede, contra a discriminação dos pacotes.

No Brasil colocamos no Marco Civil da Internet que um dos princípios da internet no Brasil é a neutralidade na rede. Isso colocaria, ao menos no nosso território, uma situação difícil para operadoras que começassem a interferir nos pacotes. É um movimento no qual a gente tenta aprovar leis em todos os países importantes do mundo pra garantir a neutralidade da rede.

Porque isso não depende de cada país já que o acesso não tem fronteiras, certo?


Essa questão é bem interessante. O que a gente quer fazer em cada país é garantir que a internet continue livre e não fazer uma lei para dizer “meu país é diferente”. Então é um espírito de uma parte da opinião pública mundial que luta por isso. Olha que interessante: a internet é transnacional mas se os EUA aplicarem o processo de quebrar a neutralidade, eles vão impor essa lógica no mundo inteiro pois é la que estão os maiores provedores de conteúdo e as principais redes sociais.

Então, na verdade, temos que lutar com leis contra o poder de oligopólio desse controladores das redes físicas. A rede física é que controla os cabos, satélites, cabos submarinos…Esses caras são oligopólios no mundo, é mais fácil a gente convencer o governo americano a fazer algo do que a convencermos uma operadora dessa. Porque eu não posso elegê-los, eu não posso controlá-los. Eles não se guiam por preceitos democráticos, é a ditadura do capital. Então é muito grave, daí estranhamente para defender a liberdade transnacional, a gente recorre às leis nacionais. Dizendo “neste pedaço da terra, o fluxo é livre, naquele também, naquele também” e se esses países forem os mais importantes, a gente venceu a batalha.

E qual o interesse das operadoras em fazer isso? Tem a ver com o interesse da indústria fonográfica em barrar o download de músicas, por exemplo?

O interesse maior é eles ganharem mais dinheiro, é cobrar. E aí tem a indústria do copyright, que pensa “bom, se eles puderem controlar a rede, eu faço um acordo com eles pra não passar protocolo bitorrent pela rede deles e aí eu acabo com a pirataria”. É ilusão dos caras isso. Mas o principal interesse das operadores é aumentar seu controle, eles pegam o controle técnico que tem – os computadores sabem que pacotes estão passando – e aí eles ganham mais dinheiro.

E para ganhar mais dinheiro eles destroem a liberdade de expressão, de criação. Eles passam a ter um controle grande porque se eu inventar a Web 3D, vou ter fazer um acordo com ele porque se não eles podem barrar meu conteúdo. Vamos ter cercas digitais e eles só abrem a porteira mediante pagamento ou acordo. Isso é um controle gigantesco sobre a criatividade.

No mundo, as operadoras estão se concentrando – vão ser de 10 a 12 grandes operadoras, que tem mais poder que estados. E é um poder sobre a comunicação e então a gente tem que superar essa nossa dependência desse tipo de companhia – não sei ainda qual seria a solução mas a situação atual é grave. Essas empresas são estratégicas do ponto de vista do direito a comunicação hoje e elas tem que ter o controle social.

Quem são as grandes empresas de telecom? Quem são esses grupos que controlam o mercado?


Tem algumas empresas grandes dos EUA, a AT&T, Conquest, Verizon…Alguns grupos europeus como a Telefônica, a Vodafone e algumas alemãs. Tem duas grande chinesas, muito grandes. Mas o que está acontecendo é que essas empresas estão se coligando, então o grande perigo é essa enorme concentração. É um setor estratégico, eles tem toda a infraestrutura da rede. Por exemplo, como é que a China faz: eles não deixam que alguns IPs sejam lidos, o fluxo de alta velocidade vem e ao entrar na China, tem um computador que filtra. É o chamado grande firewall chinês, a grande barreira.

É possível haver uma regulação a nível mundial? Alguma instância de decisão?

Não, acima dos Estados Nacionais tem acordos. Seria uma boa ideia a gente tentar fazer um acordo em defesa da liberdade na internet mas é muito difícil. No momento nós temos que ganhar a opinião pública em cada país. Porque aí as sociedades em cada local brigam. Na Espanha tem uma briga forte em defesa da neutralidade da rede. Na França infelizmente a gente perdeu para o Sarkozy, que criou lei absurdas. Mas a gente tem um movimento mundial.

Você pode explicar sobre a lei aprovada na França e que foi debatida no parlamento de vários países europeus?

A grande iniciativa hoje é chamada “three strikes”, são as três batidas. Eles identificam que você está baixando, por exemplo, um arquivo de música. Então ele violam a sua privacidade para ver que tipo de arquivo você está baixando. Se for um arquivo protegido pelo copyright, ou melhor dizendo cerceado pelo copyright, eles te mandam um aviso “você está violando a lei” – é a primeira batida. Se você continuar, eles te mandam um segundo aviso e na terceira vez eles cortam a sua conexão, em geral por um ano.

Qual o problema disso? Pense na minha casa que tem três pessoas usando a internet, só eu baixei a música. Na hora que me desconectam, são prejudicadas outras pessoas que não tem nada a ver com isso. Quer dizer, é uma lei inexequível. Tanto é que na França ela foi aprovada há mais de um ano mas não foi aplicada.

A grande questão em relação ao IP [Internet Protocol, número de identificação de um computador na rede] é a seguinte: para você navegar na internet você tem que ter um número de IP, então é muito fácil identificar o IP, a máquina e a região em que está. O grande problema é você individualizar o IP, ou seja, vincular um IP a uma identidade civil. Daí toda aquela navegação, tudo o que aquele IP fez pode ser rastreado por outros e não só autoridades. Basta que eu sabia que o IP xis é do Sergio Amadeu. Eu acabo seguindo o rastro digital. Então é uma coisa bem complicada do ponto de vista da privacidade.
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